sexta-feira, 2 de julho de 2010

PENSAR

Li há dias, citada por um amigo, uma frase enigmática de Agustina Bessa-Luís: “Pensar é o acto mais violento que há”. O meu amigo interpretava-a numa dimensão conjuntural, relacionando a violência e, ao mesmo tempo, a necessidade do pensar com “os sinais de degradação de um sistema económico-social provavelmente em vias de deixar de fazer sentido tal como o conhecemos”; ou seja, o meu amigo insinuava que esquecer, que trancar a porta do pensamento, seria menos violento no presente, mas teria consequências terríveis no futuro. Esta reflexão valorizava, sobretudo, na frase de Agustina, a violência apontada ao próprio sujeito pensante, como se afirmasse: “É violento para mim pensar no que se passa”. E depois, já de sua livre vontade, exortava esse mesmo sujeito pensante a pensar, a ser violento consigo próprio face a uma demanda superior, a do mundo - de que ele, claro, faz parte. Admitia, assim, ainda que estejamos a falar num plano simbólico e em que a aventura interpretativa pousa sobre alguns dos ramos mais finos da árvore intencional, a violência como meio legítimo para perseguir determinado fim. Eu sinto a frase de Agustina de outra maneira: pensar é violento porque quebra justamente o ramo da árvore, da árvore da existência, da árvore universal. Pensar, ou aquilo a que comummente se chama pensar, que é, no fundo, a face voluntária do pensar, o pensar desejado, o pensar procurado, o pensar intencional, equivale a separar, a desligar, a desunir. A pessoa que pára para pensar, como a própria expressão indica, pára. Ela provoca o pensamento, ela desconfia do pensamento que lhe chega, ela encomenda outro pensar. E isso, pensando (as palavras são fantásticas) no universo não como um corpo vivo mas como um vivo sem corpo, é violento. Não digo, com isto, que seja mau ou bom. Dar à luz, por exemplo, é violento. Pensar, no sentido aqui analisado, será como dar à luz e, simultaneamente, tirar à luz, extrair do infinito, matar, somar ao nada, subtrair ao todo. E, afinal de contas, deixar tudo na mesma. Mas há, claro, infinitos planos de interpretação do pensar, o acto de pensar pode ser focado e perspectivado de formas inquantificáveis, correspondendo a cada uma delas mil e um outros efeitos relativos e juízos de valor. Nem todo o pensar é corpo vivo, embora muita gente pense que o pensar que é vivo sem corpo é não pensar. Quem pensa isso nega os opostos, nega o paradoxo da existência, nega-se - dispensa-se. E eu não imagino coisa mais violenta.

1 comentário:

guninha disse...

Notável, Milz! Perfeito, na relatividade de tudo.