domingo, 8 de julho de 2007

PAZ


Hiberno, 48 anos, tivera uma vida inteira para se habituar ao ciclo: dois dias radiante, um na mó de baixo. Era sempre assim. E ele, de facto, já não se importava. Na verdade, até lhe sabia bem poder planear a vida com a antecedência que quisesse. Bastava fazer contas aos dias. Só que um dia, sem contar, Hiberno percebeu que a sua vida tinha os dias contados. Triste, num dia em que era suposto estar contente, decidiu contar a sua vida. Era barbeiro, rapava pêlos todos os dias. Ou melhor, dois dias sim, um dia não, porque, pelo sim pelo não, preferia respeitar o ciclo. Cortava o que crescia, como na vida, antes de ser contada. Contava isto quando, de repente, contente, num dia em que era suposto estar triste, decidiu cortar a sua vida. Conta-se que ela voltou a crescer, mas sem Hiberno. Esse, diz quem lhe sente a falta, hibernou.

1 comentário:

guninha disse...

Gosto muito do que escreves. É muito rico de significado, numa narrativa aparentemente despreocupada, com passagens pelo surreal. Li cada um dos textos uma, duas e até três vezes, descobrindo sempre uma história escondida, um outro texto, talvez. Ou até mais. Estou a ser visionária?
Manuela