sexta-feira, 18 de junho de 2010

SARAMAGO

Muitas vezes me questiono sobre o poder mágico da morte, a capacidade que ela tem de mudar a opinião dos homens uns sobre os outros, ou pelo menos de condicionar a expressão dessa opinião. Sempre que um insulto se transforma num elogio, tendo a considerar que, aos olhos do emissor de tão opostos juízos, a pessoa sobre a qual eles recaem fez alguma coisa de positivo, produziu um bem passível de a redimir do mal anterior, ou de o atenuar, vá lá. Penso, então, se a morte de alguém que repudiamos será, para nós, esse feito elevado à sua potência suprema, se a borracha que apaga a existência física de uma pessoa tem o condão de apagar também todas as memórias negativas que dela fomos acumulando, como um processo que prescreveu e em relação ao qual não há já nada que nos prenda. Talvez o raciocínio seja: este não chateia mais, portanto vamos poupar quem gosta dele a mais chatices. Eu, no entanto, não descarto a possibilidade de, em muitos casos, aqueles que gostam das pessoas que morrem preferirem ouvir, na morte dessas pessoas, serem-lhes atribuídas pelos outros as virtudes e os defeitos que os mesmos lhes atribuíram em vida, isto pensando, em primeiro lugar, no morto, que, enquanto vivo, teve uma conduta que, se não agradou a gregos e a troianos, foi porque não tinha de agradar, ou até porque não queria agradar. Daí que rasurar o que subjectivamente cada um de nós entende como pecado de uma pessoa na hora do seu falecimento possa equivaler a mutilar a memória dessa pessoa, a bombear o edifício que ela construiu em vida. Mais do que proferir banalidades e, por vezes, derramar hipocrisia, como cal, sobre o ser que se desmaterializa, talvez respeitá-lo seja tratá-lo na morte como ele fez por ser tratado em vida, reconhecer viva a sua marca, inteira. É que um homem pode ser parte do todo, mas há um todo que é parte dele - e o que parte dele, na morte, é o que menos lhe pertence.

1 comentário:

Miuxa disse...

Foda-se, Marquitos, que beim!!!!!!