segunda-feira, 24 de maio de 2010

VIDA

Quando uma bola de futebol vem ter connosco, a melhor maneira de a dominarmos é apaixonarmo-nos por ela, pelo seu movimento, apreciar a forma como rola, o ritmo, os brilhos, o ruidinho que faz no chão, estudá-la com prazer, sem ansiedade de a ter no pé, de a parar, sem medo de que ela nos bata e salte para outro sítio. É admirar a maravilhosa liberdade em que o tempo e o espaço vão conversando, calados, ou se vão movendo, parados. Assim, a bola chega-nos ao pé e cola, encosta-se a ele frame a frame, mas num continuum, num continuum em que tudo muda para que tudo fique na mesma imperfeição perfeita em que estava. Não me espantaria se os pilotos de aviões fossem instruídos a encarar a pista de modo semelhante. E é, igualmente, nesse sentido que interpreto o conselho para ficarmos parados se virmos um tubarão a aproximar-se de nós: não é o parar que nos salva, se fervemos dentro, mas o parar de encanto, de beleza, de amor e gratidão por um momento único na vida, que se dane se único e último, ou não fossem únicos e últimos todos os momentos, ou não fossem único e último a mesma coisa, como último e primeiro, como princípio e fim. Para mim, viver é isso, envelhecer é isso, é apreciar a barbatana do tubarão, a luz reflectida na textura molhada da sua pele, os movimentos enleantes com que rasga a água em direcção a nós, a forma como cresce a mancha imprecisa do seu corpo à medida que se acerca. As cores, os cheiros, a música da morte, sempre lenta, sempre divisível, até àquilo que nunca experimentámos.

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